Postagem em destaque

Gestão 2009 /2014 combina com Gestão 2017/2019 a entrega do Blog e logo do CMC Porto Alegre

Dia 02/07/2019, às 19:30 h em reunião do CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA DE PORTO ALEGRE realizada na Casa dos Conselhos, sito Av. João P...

27 de novembro de 2012

Finalistas Açorianos 2012: Conto | Olavo Amaral


 
Olavo Amaral | Foto: Ney Amaral


Continuando a série de entrevistas, quem deu a palavra a CLL, foi o escritor Olavo Amaral - finalista do Prêmio Açorianos de Literatura na categoria conto, com o livro Correnteza e Escombros (Editora 7Letras, 2012). Fica por dentro de quem são os finalistas e o que eles tem a dizer!


CLL - Tu acha que os leitores e editoras veem o Conto como um gênero subestimado?

Olavo Amaral - Não sei se “subestimado” é a palavra, mas é verdade que o conto parece ser um gênero com menos valor de mercado, provavelmente porque o leitor médio (seja lá quem ele for) tende a preferir narrativas mais longas. Com isso as grandes editoras (que dependem do mercado pra sobreviver, afinal) naturalmente acabam privilegiando os formatos longos, um pouco em detrimento do conto. A situação se inverte em editoras menores, antologias e situações em que os autores financiam suas publicações, já que escritores em início de carreira tendem a optar mais pelo conto, que por razões óbvias funciona melhor do que um romance como plataforma de experimentação; no entanto, o público leitor desse tipo de publicação é bem mais restrito. Com isso, a impressão que fica por vezes é a de que tem mais gente escrevendo contos do que lendo-os. A consequência natural dessa história é que a maior parte dos escritores, pra se firmar de fato no mercado, acaba tendo que passar pela narrativa longa em algum momento. Isso é meio chato, porque faz com que alguns escritores cuja vocação natural é o conto por vezes acabem tendo que deixar o formato um pouco de lado por razões de mercado.

CLL - Tu vê a internet como um bom meio para divulgar o escritor, ou o livro ainda é o melhor canal? Qual é a importância da publicação?

O.A - Eu vejo a internet como um bom meio pra divulgar qualquer coisa, de campanha presidencial a churrasco lá em casa. E acho que qualquer negócio que não consiga aproveitar esse potencial de divulgação está fadado ao fracasso em qualquer área, inclusive a literatura. Dito isso, estamos falando de divulgação, e não necessariamente da literatura em si. Apesar de qualquer escritor minimamente antenado hoje em dia usar a internet em suas várias formas pra divulgar seu trabalho, as iniciativas de realmente veicular literatura pela internet ainda são surpreendentemente tímidas.

A maior parte dos escritores estabelecidos tem twitter, facebook, blog e tudo o mais, mas ainda guarda sua “obra” de fato para o formato físico. O que até pode ter a ver com apego ao papel, mas provavelmente está mais relacionado com a razão econômica de que o mercado editorial está constituído pra vender cópias de livro em papel e tem se mostrado um tanto preguiçoso pra mudar essa realidade. Isso cria a situação paradoxal de que qualquer um pode postar um texto na internet a custo zero e fazê-lo acessível pra bilhões de pessoas, mas só vira um escritor reconhecido quando publica um livro impresso, mesmo que a tiragem seja de mil exemplares. E também faz com que, mesmo com um monte de gente escrevendo, o acesso à literatura que se produz no Brasil ainda seja para poucos, porque o livro é caro e a distribuição fora das grandes editoras e livrarias tende a ser bem ruim.

Por essas coisas todas, acho que é papel do escritor tentar ajudar a transformar esse quadro e criar novas formas de difusão de literatura, ao invés de esperar que o mercado mude. Em “Correnteza e Escombros”, como a publicação do livro foi financiada com dinheiro público (da Secretaria de Estado da Cultura do RJ), achei que o mínimo que podia fazer era disponibilizar o livro gratuitamente pro público. Sempre achei esquisito esse fenômeno peculiar que ocorre no Brasil, em que o contribuinte financia 100% do custo do produto cultural (livro, filme, etc.), via imposto ou renúncia fiscal, pra depois não ter acesso a ele, porque não existe nenhum compromisso de distribuição da obra. É um pouco como pagar alguém pra construir a sua casa e depois descobrir que o pedreiro é o dono dela. Por essas e outras, o livro está disponível inteiro em http://www.olavoamaral.com.br (onde você também pode baixar o PDF do meu primeiro livro, “Estática”, também financiado com dinheiro público). Além do texto, o site tem uma interface bem legal que permite que os leitores insiram comentários, links ou mídias em qualquer ponto do livro, o que é uma forma de tentar criar uma obra que siga evoluindo por si mesma, independentemente do autor.

Acho que o futuro (ou o presente) da comunicação escrita é cada vez ser menos um monólogo e mais um diálogo – como todo mundo escreve na web, acho que a tendência é que a distinção entre escritores e leitores vá se tornando menos clara. E ainda que ninguém saiba bem como isso vai acabar afetando a literatura, abrir um livro pra comentários online é uma tentativa inicial de explorar essas possibilidades.

CLL - Quais os escritores que mais te influenciaram (ontem e hoje) e quais os bons contistas que tu aponta hoje no Brasil?

O.A - Seria bobo negar que “Correnteza e Escombros” tem a sombra de Julio Cortázar rondando em cada um de seus cantos. Além de duas paráfrases intencionais de contos do argentino (em “Superfície” e “Trezentos e Um”), cada vez que releio os contos descubro novos traços, influências e pequenas inspirações que eu mesmo não tinha percebido ao escrever. Mas o livro também tem ecos (e algumas citações escondidas) de George Bataille, Hilda Hilst, Edward Albee, Michel Houellebecq, Lawrence Durrell e Albert Camus, entre outros. Tentei registrar essas influências (e outras relações que me ocorreram) como comentários na versão online do livro, que funciona um pouco como uma nota de rodapé infinita pra mim. Mas também é interessante ler as opiniões de outras pessoas e ver que elas acabam enxergando outras influências bem distintas (frequentemente vindas de autores que eu nunca li).

Sobre contistas brasileiros hoje em dia, acho que tem bastante gente legal aparecendo. Nesse sentido, nada mais justo do que começar citando meus dois concorrentes no Açorianos, Altair Martins e José Francisco Botelho, autores de livros excelentes que, como “Correnteza e Escombros”, têm o mérito de flertar abertamente com o fantástico e o lírico, contrariando uma certa tendência histórica da literatura brasileira de privilegiar uma linguagem realista e cada vez mais enxuta. Ainda no quesito “literatura fantástica gaúcha”, gosto muito da obra do Amilcar Bettega (ainda que ela tenha desaparecido misteriosamente depois de 2005).

De gente do resto do Brasil, gosto bastante da prosa nervosa de gente como o Joca Reiners Terron, mas acho que também temos bons contistas com uma linguagem mais tradicional, como o João Anzanello Carrascoza. E a julgar pelas recentes antologias de escritores contemporâneos, vários autores que migraram do conto pra narrativa longa, como Daniel Galera, Michel Laub e Paulo Scott, ainda têm bastante fôlego como contistas (e talvez devessem se aventurar mais pelo gênero).

CLL - Qual a importância do Prêmio Açorianos pra ti e como tu acredita que ele repercute dentro da classe artística da região?

Bom, acho que essa vou deixar pra responder se porventura eu vier a ganhá-lo, não? Falando sério, não sei muito bem o quanto repercute, não só por nunca ter ganho um, mas também porque sempre fui um pouquinho outsider no meio literário da região – por ter outras profissões, por estar fora de Porto Alegre na maior parte do tempo hoje em dia, ou simplesmente por nunca ter me enquadrado de fato no meio literário da cidade (algo que, quando você não depende da literatura para sobreviver, passa a ser mais uma opção do que uma obrigatoriedade). Em todo caso, com prêmio ou sem prêmio, é legal começar a sentir um reconhecimento do meio cultural local em relação ao livro.

Tenho recebido algumas críticas e resenhas bem legais, e a própria indicação ao prêmio já é um mérito por si só. E independentemente de como isso possa repercutir dentro da classe artística, pra mim ao menos repercute como uma fonte de motivação pra continuar escrevendo e investindo nos projetos que estão por vir.